segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Vista de Lisboa, panorama de Barker

De facto, quando descrevia Lisboa vista do outro lado do rio em dezembro de 1812, o Major Augustus Frazer da "Royal Horse artillery" tinha explicitamente Henry Aston Barker na ideia: "O dia estava lindo, o cenário talvez o mais belo do mundo. O castelo de Almada foi o lugar a partir do qual o Panorama de Barker foi tirado." (1)

Lisbon from Fort Almeida Almada, Drawn by C. Stanfield from a Sketch by W. Page, Engraved by E. Finden.
Imagem: Cesar Ojeda

Como, a começar a nossa próxima viagem, deveremos deixar Lisboa, sem a perspectiva de aí regressar, olhando um pouco por nós, se possível, sem negligenciar algo que possa merecer uma visita;

rapidamente nos ocorreu o morro de Almada, oposto a Lisboa, até então não nos tinha atraído subir o íngreme declive, e do seu cimo olhar a capital de Portugal, a partir dessa vantajosa posição, sendo que aí uma parte dessa cidade pode ser abrangida com uma simples passagem do olhar, mais do que em qualquer outro lugar:

Historical military picturesque..., George Landmann, View up the Tejo.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

tendo perdido tantas oportunidades como perdemos para nos oferecer esta vista altamente gratificante, teria sido verdadeiramente imperdoavel, não fosse o termos propositadamente deixado esta delícia para depois.

Historical military picturesque..., George Landmann, Lisboa, or Lisbon, the capital of Portugal.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Uma viagem a Almada não necessita preparação, exceptuando um cesto com comida, para saborear à sombra de uma laranjeira próxima das margens do rio. Contudo, alugámos um pequeno barco, para nos levar até à vila de Almada, oposta à parte ocidental de Lisboa... enquanto a cadeia de colinas da outra banda, o Almaraz, se estende na direcção da entrada do Tejo até se defrontar com a velha Torre de Belém.

Historical military picturesque..., George Landmann, Mouth of the Tagus.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Infindavel seria tentar descrever a multitude de aspectos que o semicírculo a norte apresenta; mas uma vista panorâmica, desenhada com muito cuidado a partir do original de Mr. Baker, que muito atenciosamente a cedeu ao autor com esse propósito, se apresenta [...]

O original foi desenhado por Mr. Barker [Henry Aston Barker (1774–1856)], a partir do qual pintou o seu muito admirado e correctamente fiel Panorama que exibiu no Strand em Londres [Barker's Leicester Square exhibitions]: 

Historical military picturesque..., George Landmann segundo Henry Aston Barker, Panorâmica de Lisboa e do Tejo.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

a gravura para este trabalho compreende a vista desde a Cidadela de Cascais, o ponto mais distante à esquerda, até ao extremo ocidental que é possível avistar desde a colina de Almada; 

Cross-section of the Rotunda in Leicester Square in which the panorama of London was exhibited (1801).
Imagem: TATE

ás pessoas que podem ter tido a boa sorte de ver o Panorama, esta gravura não conseguirá dar o justo sentido à extensão da beleza desta cena;

Robert Barker’s Leicester Square Panorama.
Imagem: The Regency Redingote

todavia espera-se que a tentativa de adicionar esta informação não se revele infrutífera: ver as gravuras intitulados: Mouth of the Tagus, Lisboa, or Lisbon, the capital of Portugal, e View up the Tejo. [cf. Capítulo XLIII. Uma viagem a Almada, Vista de Lisboa, as colinas fortificadas, e o  Castelo de Almada (...)] (2)


(1) Gavin Daly, The British Soldier in the Peninsular War..., 1808–1814
(2) George Landmann, Historical, military, and picturesque observations on Portugal..., 1818

Alguma leitura adicional:
Harry Sutherland, Adventures with the Connaught Rangers, 1809-1814
John Kincaid, Adventures in the Rifle Brigade, in the Peninsula... from 1809 to 1815

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Henri l'Évêque (1769-1832)

No primeiro plano, grupos de populares, no seu dia a dia quotidiano, na praia de Belém ou "Restello", vendo-se à esquerda, um barco na descarga de lenha; ao centro uma "barraca de comidas e vinho" com vários comensais sentados à mesa, sob os olhares dum mendigo e dum Andador de Almas. 

À direita, o grandioso convento " manuelino" dos Jerónimos e Igreja de St.a Maria de Belém (inícios do séc. XVII ainda com o coroamento, em pirâmide, seiscentista da torre. 

Em plano mais recuado, várias construções hoje desaparecidas, destacando-se, junto da praia, o palácio que foi dos Marqueses de Marialva e já esbatida no horizonte, a Torre de Belém.

Henri L'Évêque, Vista do Convento de Sto Jerónimo de Belém e da Barra de Lisboa.
Imagem: ComJeitoeArte

A estampa representa a Rua Direita da Junqueira vendo-se: em primeiro plano, grupos de populares, entre os quais um "grupo de galegos dançando e tocando" e um barco em processo de descarga; em segundo plano, o palácio dos inícios do séc. XVIII, conhecido por palácio dos Patriarcas, residência dos Cardeais Patriarcas de Lisboa, depois do terramoto, mais tarde comprado por Henri Burnay, posteriormente 1.° conde do mesmo nome que nele fez obras profundas, transformando-o numa luxuosa residência dos finais do séc. XIX.  Hoje é sede do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. 

No mesmo alinhamento, mas mais recuado o palácio dos condes e depois Marqueses da Ribeira Grande, também do começo do séc. XVIII, onde nasceu viveu e morreu D. João Gonçalves Zarco da Câmara, filho do 1.° Marquês da Ribeira Grande, grande dramaturgo português. Foi depois comprado pelo Estado que nele instalou ultimamente o liceu da Rainha D. Amélia. 

No meio da praia, o Forte de S. João da Junqueira, que no tempo do rei D. José foi convertido em prisão do Estado.

Henri L'Évêque, Vista da Cidade de Lisboa tomada da Junqueira.
Imagem: ComJeitoeArte

Pintor e gravador de origem suíça [Henri l'Évêque], nascido em Génova, [Genève, pt. Genebra] casando em Inglaterra, onde fixou residência. Fez várias viagens a Portugal, tendo aqui estado nos finais do séc. XVIII e, mais tarde, incorporado no exército anglo-português durante a Guerra Peninsular.

Escreveu sobre o nosso pais a obra "Costume Of Portugal", espécie de album ilustrado com 50 água-tintas sobre tipos portugueses. É também autor de óleos e gouaches fixando costumes e aspectos populares, feiras, etc. (1)

Nascido em Genebra, Henri l'Évêque, como Delerive, percorreu a Europa após a revolução francesa para representar as consequências políticas e militares e as revoluções que estavam acontecendo na Europa, especialmente depois que Napoleão começou as suas primeiras campanhas (2).

Henry L'Évêque, Episódio das Guerras Peninsulares.
Imagem: Veritas Art Auctioners

Campaigns of the British army in Portugal under the command of general the marquis of Wellington

Marechal de Campo Arthur [Wellesley] Duque de Wellington. Duque da Ciudad Rodrigo em Espanha. Duque da Victória em Portugal etc .

Field Marshal Arthur Duke of Wellington etc.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 1: A chegada do exército britânico ao Mondego [Lavos, Figueira da Foz, de 1 a 5 de agosto de 1808]

The Landing of the British Army at Mondego.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Gravura 2: O ataque aos corpos franceses comandados pelo general Laborde [Delaborde] em 17 de agosto de 1808

The attack on the French corps commanded by Gen. Laborde on the 17th of August 1808.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 3: Batalha do Vimeiro [21 de agosto de 1808]

Battle of Vimieiro.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 4: O embarque do general Junot, após a Convenção de Sintra [31 de agosto de 1808], no cais do Sodré [15 de setembro de 1808]

The Embarcation of Gen. Junot after the convention of Cintra at Quai Sodre.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 5: O ataque à fortaleza do Grijó em 11 de maio de 1809

The attack on the Strong Fort of Grijo, on the 11th May 1809.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 6: Travessia do Douro [12 de maio de 1809]

Passage of the Douro.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 7: Travessia do Douro [Avintes, 12 de maio de 1809]

Passage of the Douro.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal
Gravura 8: Ponte de Nodin [sobre o rio Ave, retirada de Soult, maio de 1809]

Bridge of Nodin.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 9: O ataque da retaguarda francesa em Salamonde

The attack of the Rear Guard of French at Salamonde.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 10: A ponte de Saltadouro [retirada de Soult, 16 de maio de 1809]

Campaigns of the British Army H l Eveque 10 The Bridge of Saltador 03
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Gravura 11: Vista da ponte da Misarela, a cerca de três léguas de Salamonde [retirada de Soult, 16 de maio de 1809]

A view of the Bridge of Miserere, about three leagues from Salamonde.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 12: A batalha de Talavera [27 e 28 de julho de 1809]

The Battle of Talavera.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 13: A batalha do Bussaco [27 de setembro de 1810]

The Battle of Bussaco.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Grav. 14: Uma vista tomada no Tejo [margem esquerda] perto de Vila Franca que mostra uma parte das linhas inglesas

A view taken on the Tagus near Villa Franca which shows a part of the British Lines.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 15: O cerco de Badajoz [6 e 7 de abril de 1812]

The siege of Badajos.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Gravura 16: A batalha de Salamanca [22 de julho de 1812]

The Battle of Salamanca.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A batalha da Vitória [21 de junho de 1813]

Adicionar legenda
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

A partida de Sua Magestade o Príncipe Regente de portugal para o Brasil [27 de novembro de 1807]

Departure of H.R.H. the Prince Regent of Portugal for the Brazils, Henry L Evêque, F. Bartollozzi.
(Campaigns of the British Army in Portugal, London, 1812)
Imagem: Wikipédia

Esboço da acção perto de Vigia de la Barrosa [ou Barossa] (3)

Sketch of the Action near the Vigia de la Barrosa.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal


(1) Lisboa: tipos, ambiente, modos de vida, mercados e feiras, divertimentos, mentalidade: exposição iconográfica, Junho/Julho 1978 - 1979, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1979. 298 p.
(2) Veritas Art Auctioners
(3) Biblioteca Nacional de Portugal




Publicações:
L'Évêque, Henri (1769-1832), Campaigns of th
Wellington
, London, Colnaghi and E. Lloyd, 1813

L'Évêque, Henri (1769-1832), Costume of Portugal, London, Colnaghi and E. Lloyd, 1814

Referências:
Henri l'Évêque (google search)
Henri l'Évêque (1755-1818) também conhecido como [aka]: Henry l'Évêque,
Henrique L'Evêque, L'Evêque etc.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Nicolas Delerive (1755-1818)

Pescadores fazendo comida na praia, effeito de luar. Pintado sobre cartão, escola franceza moderna [...] (1)

Nicolas Delerive (1755-1818), Paisagem, efeito de luar.
Imagem: J. Andrade

Descendia de antigos Hespanhoes, que se estabelecêrão em Lilla [Lille], aonde elle nasceo em 1755. Alli mesmo começou a estudar a Arte com Heinsius retratista Alemão, desenhando o nú na Academia; mas em 76 desejando melhores estudos sahio da Patria, e esteve dous annos, em Artois com o Conde de Neuville, cançou-se pouco julgando-se, dizia elle mesmo, bastante sábio, mas quando chegou á Paris fez de si bem diverso conceito. 

Tendo-se inclinado ao genero das batalhas, e ao das bambochatas, frequentou a escóla de Casanova, Pintor Italiano destes Objectos, e sahia ás praças, e aos campos a desenhar, e a pintar arvores, animaes, paizanos, etc: 

e Luiz Wateau Director da Academia de Lilla (Primo do famoso Antonio Wateau), o recebeu como Academico de merito em composições de combates: casou, e esteve alli até á revoluçâo de 1790 [1789].

Nicolas-Louis-Albert Delerive (Lille 1755-1818 Lisbon).
Imagem: invaluable

Em 92 veio a Lisboa donde 5 annos depois voltou a Hespanha, deixando cá a mulher; alli retratou em corpos inteiros, o Duque del Infantado, e a Marqueza de Santa Cruz, que pintava com magisterio, e protegia efficazmente os Artistas. Tornou a esta Côrte em 1800.

Delerive, A Feira das Bestas (à esquerda o Passeio Público, Conv. da Encarnação e S. Luís dos Franceses), 1792.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Retratou o Principe Regente em meio, e inteiro corpo. Tres annos depois, por intervenção de João Diogo de Barros, obteve huma pensão he 600$ réis para pintar no Picadeiro Regio todos os objectos de picaria [painéis da sanca].

Museu Nacional dos Coches no antigo Picadeiro Real. Aspecto geral da sanca, painéis com pinturas de Delerive.
Imagem: congeladas no tempo

Retratou ElRei em grande a cavallo, mas o seu talento proprio era para cousas pequenas. 

Em 1809 comprou na feira por quatro moedas huma taboa da Annunciação de Pintor Portuguez antigo, imitador de Gaspar Dias. Não se sabe como este quadro passou por hum Rafael, he certo porém que hum General Inglez lhe deo por elle o equivalente de 20$ cruzados.

Nicolas Delerive: The Comte de Noviron Governor of Lisbon; Mr Petrie Commissary of Accounts; Senhor Setar, Portugese Commissary; General Brigadier general Leighton.
Imagem: the saleroom

Morreo em Lisboa em Junho de 1818. (2) 

O quadro [de Nicolas Delerive] que retrata a Feira da Ladra na Praça da Alegria será então datável de entre 1809 (introdução da feira naquela localização) a 1818 (morte do pintor). Esta pintura pertenceu aoVisconde de Chanceleiros, passando depois para a propriedade do Conde dos Olivais e Penha Longa.

Lisboa, Feira da Ladra na Praça da Alegria, Nicolas Delarive, aspecto na década de 1810.
Imagem: MNAA

Foi adquirido pelo Museu Nacional de Arte Antiga em 1931 a E. H. Moser. Esta pintura dá-nos, no entanto, um precioso testemunho da fisionomia da Praça da Alegriado início do século XIX. Nela podemos ver as várias tipologias de edifícios que ali coabitavam.

Em primeiro lugar, temos um prédio pombalino, à esquerda no quadro, feito de acordo comos desenhos fornecidos pela Inspecção-geral do Plano para a Reedificação da Cidade e talcomo é referido pela documentação que revelámos. Os prédios pombalinos na Praça da Alegria foram projectados com lojas no rés-do-chão, habitação no primeiro piso e nas águas furtadas.

Cada prédio devia ter entre seis e sete janelas no piso superior. No prédio representado no quadro foi acrescentado um terceiro piso, permitido pela quedade Pombal (1777) e consequência perda de importância da Inspecção-geral do Plano para a Reedificação da Cidade.

Esta substituição das mansardas originais por um novo piso aconteceu também na Baixa na década de 1780 e início de 1790. É provável que a alteração neste prédio da Praça da Alegria fosse coincidente com esse período.

Nicolas Delerive, Mercado da Praça da Figueira.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

A segunda tipologia que se encontra retratada no quadro de Nicolas Delerive são asbarracas construídas ilegalmente pelos lisboetas que não tinham posses para arrendar um andar. 

Estão fronteiras ao prédio pombalino e apresentam apenas um piso térreo, sendo construídas com madeiras de forma desorganizada e desconexa.

Finalmente, a terceira tipologia é aquela na qual se insere o Palácio Azul. Trata-se de umedifício projectado com um alçado mais monumental que o anónimo prédio pombalino, prevendo de origem um terceiro piso, com molduras de pedra decoradas e animação na fachada comparamentos recuados.

É um edifício que se assume como um palácio numa zona destinada àpequena burguesia, algo que ia contra os ditames de Pombal que impunha o nivelamento arquitectónico e funcional dos novos bairros lisboetas.

As igrejas, palácios e conventos sequisessem permanecer nos bairros pombalinos teriam de passar despercebidos pelo exterior. A própria cor da fachada, que lhe concedeu o nome pelo qual ficou conhecido (porque era casoúnico em Lisboa), também pretendia ser um manifesto contra o ocre obrigatório das casas pombalinas.

O Palácio Azul ainda hoje existe, estando nele instalada a Esquadra de Polícia da Praça daAlegria. Este imóvel foi construído em 1796 por D. Álvaro de Távora, conde de São Miguel, que casou com D. Luísa de Pilar e Noronha, filha dos condes dos Arcos.

Em 1832 foi quartel do Estado Maior General e no ano seguinte sede dos Conselhos da Guerra. Em 1840, o palácio pertencia ao Barão de Almeirim, pai de Anselmo Braamcamp Freire que aí nasceu em 1845. (2)

Nicolas Delerive, algumas cenas de actividades e género: o feirante, o peditório para a sopa dos presos, o sapateiro e o barbeiro.
Imagem: artnet & the saleroom

Nicolas Delerive salienta-se como um excelente retratista da sociedade e dos costumes lisboetas como comprovam uma série de pequenos quadros sobre madeira representando algumas actividades oficinais e profissões como por exemplo "a assadora de castanhas" (inv.675/1), "o padeiro" (inv.675/2), "o amolador" (inv.776), "o garrafeiro" (inv.777) e "o feirante do mondi nuovi" (inv.788). (3)

Nicolas Delerive, algumas cenas de actividades e género: a assadora de castanhas, a lanterna mágica, vendedor de vinho e frades num bordel.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa & the saleroom

Esta pintura [Embarque de D. João, Principe Regente de Portugal, para o Brasil em 27 Novembro 1807] está directamente relacionada com uma gravura de Francesco Bartolozzi (Arquivo Histórico-Militar), segundo desenho de Henri l' Evêque, intitulada "L' Embarquement du Prince Regent de Portugal au Quai de Belem, avec toute la Famille Royale, le 27 Novembre 1807 a 11 heures du Matin".

Nicolas Delarive, Embarque [partida, fuga] de D. João, Principe Regente de Portugal, para o Brasil em 27 Novembro 1807.
Imagem: Não foi no grito

Desta última conhecem-se tanto as provas originais como a composição final, posterior à alteração da chapa. As primeiras, não assinadas e legendadas em francês, fazem parte dos espólios da Biblioteca Nacional de Lisboa, Gabinete de Estudos Olisiponenses e Museu Nacional de Arte Antiga.

Embarque do principe regente de Portugal com toda a Familia Real em 27 de novembro às 11 horas da manhã [1807],
des. Henri L' Évêque (1769-1832), grav. Francesco Bartolozzi (1728-1815).
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Passada a litografia e já com a legenda traduzida para português, existem vários exemplares desta gravura, assinadas por Constantino de Fontes e pelos indecifráveis "D." e "NC". Quanto à ligação entre a citada gravura e o quadro do M.N.C.  as opiniões divergem, havendo autores que preconizam a anterioridade da obra pictórica (Augusto Cardoso Pinto), enquanto outros - caso de S. Herstal - defendem a tese oposta, segundo a qual a pintura a óleo seria uma réplica fiel da obra de Bartolozzi.

S. A. R. o Principe Regente de Portugal e toda a Familia Real, embarcando p.a o Brazil no Cáes de Belem,
Henri L' Évêque
(1769-1832), Francesco Bartolozzi (1728-1815).
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Este último avança ainda a hipótese de a tela atribuída a Nicolas Delerive ser um estudo preparatório para um outro quadro a óleo, anónimo, pertencente ao Palácio Itamaraty, Brasil.

Para além do quadro em apreço, subordinadas ao mesmo tema existem outras telas igualmente atribuídas ao pintor francês, que integram as colecções do Museu de Artes Decorativas da Fundação Ricardo do Espírito Santo e Silva, Lisboa, e do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, sendo esta uma mera ampliação da primeira. Cite-se ainda uma quarta reprodução anónima, de acentuado cariz popular, pertencente à colecção da José Mariano de Camargo Aranha. 

Departure of H.R.H. the Prince Regent of Portugal for the Brazils, Henry L Evêque, F. Bartollozzi.
(Campaigns of the British Army in Portugal, London, 1812)
Imagem: Wikipédia

A profusão de obras alusivas à partida da Família Real para o Brasil deve ser entendida à luz dos acontecimentos da época, quando a "fuga" era ainda entendida como uma excelente estratégia nacional pois, caso a metrópole fosse loteada pelo invasor francês, poderia sobreviver do outro lado do Atlântico.

Embarque da Família Real Portuguesa para o Brasil.jpg
Imagem: Estórias da História

Do Príncipe Regente — figura querida do povo, agora elevada à categoria de herói — e da restante Família, todos queriam guardar uma grata recordação em vésperas das invasões napoleónicas, marco efectivo da abertura de um novo século.

Nicolas Delerive, Retrato equestre de D. João VI, entre 1803 e 1807.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

O quadro [Embarque de D. João, Principe Regente de Portugal, para o Brasil em 27 Novembro 1807] do M.N.C. [Museu Nacional dos Coches] foi depositado no Museu das Janelas Verdes [Museu Nacional de Arte Antiga] em 1935, tendo sido devolvido ao local de proveniência em data incerta. (4)


(1) A dispersão dos quadros da herança do rei D. Fernando [ref. 90]
(2) Cirilo Volkmar Machado, Collecção de memórias, relativas às vidas dos pintores, e escultores, architetos, e gravadores portuguezes, e dos estrangeiros, que estiverão em Portugal..., pág. 224, Lisboa, Victorino Rodrigues da Silva, 1823
(3) João Miguel Simões, A Casa das Varandas da Praça da Alegria
(4) Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva
(5) MatrizNet



Referências:
Nicolas Delerive (google search)
Nicolas Delerive (1755-1818) também conhecido como [aka]: Nicolas-Louis-Albert Delerive, Nicolas Delérive, Nicoláo Luiz Alberto de La Riva, Delarive etc.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Lisboa e o Tejo em 1650

A armada do parlamento (ou do British Commonwealth)

Em 1650 ocorreu um grave incidente diplomático, no termo da guerra civil inglesa que opôs Carlos I ao parlamento, e que terminou com a execução do rei em Janeiro de 1649. Uma armada de parciais do rei veio refugiar-se no porto de Lisboa e o parlamento enviou outra para bloquear o Tejo. (1)

Vista geral da cidade de Lisboa capital de Portugal antes do terremoto.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

No dia 20 de outubro de 1649, o príncipe Rupert (1619-1682) saiu do porto de Kinsale no navio de comando, o Constant Reformation (40 peças), juntamente com o Convertine (40), navio de comando do príncipe Maurice, o Swallow (36) e o Blackamoor Lady (18), os quais tinham feito parte da esquadra que saíra de Helvoetsluys em janeiro.

Três navios adicionais, o Scott (30 peças), o Mary (14), e o Black Knight (14), eram navios capturados e reconvertidos. A esquadra Realista partiu do sul da Irlanda e atravessou o Golfo da Biscaia em direcção a Portugal. No início do ano, Rupert tinha recebido uma resposta favorável quando escrevera ao rei D. João IV pedindo autorização para basear os seus navios em Lisboa, no caso de ser forçado a deixar a Irlanda.

Depois de uma viagem atribulada durante a qual foram capturadas cinco embarcações os Realistas chegaram a Lisboa por volta do dia 20 de novembro de 1649. Três dos navios capturados foram vendidos e dois incorporados na esquadra como Second Charles (40 peças) e Henry (36). Rupert também comprou um navio holandês, que se tornou o Black Prince (30). O Blackamoor Lady foi vendido e o Convertine posto de parte de modo a financiar armas e tripulação para os novos navios.

Lisbone, Ville capitale du Royaume du Portugal... Pierre Aveline (1656-1722) entre 1680 e 1720.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Apesar da simpatia do rei João IV (1604-1656) por Rupert, o seu "ministro em chefe", o Conde de Miro [(?) o cargo de Secretário de Estado era ocupado por Pedro Vieira da Silva, no texto existe alguma confusão possivelmente com o Conde de Miranda], temer que um apoio aberto aos Realistas ingleses pudesse deteriorar o comércio português e também encorajar o Commonwealth a uma aliança com a Espanha, inimiga de Portugal.

De Miro era apoiado pela comunidade mercantil portuguesa. Os portugueses levantaram objeções à venda da carga de um dos navios capturados e o príncipe Maurice foi impedido de embarcar numa nova viagem para tomar futuras capturas.

Contudo, Rupert e Maurice trabalharam de modo a fortalecer as suas relações em Lisboa fazendo visitas frequentes ao rei João e juntando-se à vida social da corte portuguesa. Travaram amizades com a nobreza local e atá ganharam apoio do clero, que dissera que abandonar os príncipes aos rebeldes ingleses traria desonra a Portugal.

Lisbone, Ville capitale du Royaume du Portugal... François-Philippe Charpentier (1734-1817),
baseada em gravura precedente de Pierre Aveline (1656-1722).

Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

No início de 1650, o Conselho de Estado inglês reconheceu Rupert como pirata e encarregou Robert Blake, General-at-Sea, de destruir a esquadra Realista. Blake saiu de Portsmouth em março de 1650 com uma frota poderosa de 15 navios.

O navio de comando era o George (54 peças), o vice-almirante era Robert Moulton no Leopard (56), o contra-almirante era Richard Badiley no Entrance (46). Os outros navios de guerra eram o Bonaventure (42), o Adventure (40), o John (30), o Assurance (32), o Constant Warwick (32), o Tiger (36), o Providence (30) e o Expedition (30). A frota era suplementada pelo navio de fogo [brulote] Signet e os ketches Tenth Whelp, William and Patrick. 

Charles Vane, irmão de Sir Henry Vane, acompanhou a expedição com a responsabilidade de conduzir as negociações diplomáticas com o governo português, que então não reconheceu o Commonwealth of England.

Lisboa, Terreiro do Paço, A entrada do Embaixador Francisco de Mello e Torres, Dirck Stoop, 1662.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

A frota de Blake chegou à Baía de Cascais na foz do rio Tejo no dia 10 de Março de 1650. Blake imediatamente enviou uma mensagem ao rei João pedindo o uso do porto de Lisboa para a frota do Commonwealth e a cooperação de Portugal contra os piratas do príncipe Rupert.

No dia seguinte, apesar disso, os fortes portugueses dispararam tiros de aviso quando Blake tentou subir o rio Tejo em direcção ao lugar de ancoragem de Rupert. Blake concordou em retirar durante as negociações diplomáticas.

Charles Vane negociou uma concessão dos portugueses segundo a qual a frota do Commonwealth poderia entrar na baía de Oeiras no caso de mau tempo. Blake imediatamente aproveitou a oportunidade para ancorar a duas milhas rio abaixo dos navios de Rupert.

Torre de S Julião da Barra, João Christino, c. 1855.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Como as negociações continuaram durante as semanas seguintes, os portugueses concordaram em deixar os marinheiros do Commonwealth vir a terra, o que resultou em várias rixas de taberna entre os tripulantes das frotas rivais.

Na sequência de uma alegada emboscada e tentativa de assassínio pelos marinheiros do  Commonwealth quando Rupert e Maurice estavam numa caçada, os Realistas retaliaram enviando um barco disfarçado de venda de fruta armadilhado com uma bomba de fogo, que quase conseguiu rebentar o Leopard.

Noutro encontro, os homens de Rupert atacaram um grupo do Bonaventure que fazia aguada. Um marinheiro foi morto e três outros feitos prisioneiros. Apesar destes encontros, contudo, a situação continuou sem saída.

Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém, Dirck Stoop, c. 1660 - 1670, 1662.
Imagem: Mauristhuis Museum

D. João IV recusava deixar Blake atacar os navios de Rupert enquanto estes estivessem sob proteção portuguesa, e Rupert não podia arriscar deixar o porto de Lisboa com a poderosa frota do Commonwealth por perto.

Em meados de maio, Blake retirou do rio Tejo, na esperança de enganar a esquadra Realista. Por volta de 21 de maio, Blake apreendeu dez navios mercantes ingleses fretados a uma frota portuguesa que saía para o Brasil.

Quando Blake se ofereceu para libertar os navios se o rei João entregasse os navios do príncipe Rupert, o rei furioso ordenou a prisão de todos os súbditos ingleses em Lisboa conhecidos pela sua simpatia para com o Commonwealth e proibiu Blake de entrar no Tejo ou abastecer água em terra.

D. João, duque de Bragança, Peter Paul Rubens,  c. 1628.
Imagem: Wikipédia

Poucos dias depois, General-at-Sea, Edward Popham reforçou a frota de Blake com mais oito navios: o de 68 peças, Resolution, o Andrew (42), o Phoenix (36), o Satisfaction (26), quatro navios mercantes armados e um muito necessário navio de armazenamento. Popham trouxe ordens revistas pelo Conselho de Estado que autorizavam Blake a atacar os navios mercantes portugueses se o rei João continuasse a obstruir o Commonwealth.

Sob a pressão crescente do  Commonwealth inglês e dos seus próprios conselheiros, o rei João tentou arrajar uma solução honorável para a situação oferecendo o uso da frota portuguesa para escudar a fuga do príncipe Rupert de Lisboa.

No dia 26 de julho, quando oito dos navios de Blake foram a Cadiz reabastecer provisões. A esquadra de Rupert saiu do porto de Lisboa apoiada por dois navios franceses, treze navios de guerra portugueses, alguns barcos de fogo e embarcações mais pequenas.

Rupert em visita à corte de Charles I, Anthony van Dyck, c. 1637.
Imagem: Wikipedia

Os aliados tiveram relutância em afrontar a frota do Commonwealth e apesar de Blake estar determinado em conter a esquadra de Rupert, não quis arriscar um envolvimento total até ao regresso da esquadra de Cadiz.

Durante três dias as frotas opostas manobraram na foz do Tejo com trocas ocasionais de tiros quando Rupert tentava aproveitar as mudanças do vento e da maré para se evadir aos navios de Blake e escapar-se para o mar aberto.

Na manhã de 29 de julho, a esquadra de Cadiz tinha regressado e a frota do Commonwealth tinha de volta a sua força total. Com Blake preparado para lançar o ataque em toda a escala, a frota aliada retirou para o abrigo das armas do porto de Lisboa.

A batalha dos quatro dias (1666), novas tácticas de Rupert, Abraham Storck, c. 1670.
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Nos inícios do mês setembro de 1650, o Conselho de Estado chamou Popham com o maior número de navios possível que pudesse dispensar da frota do Commonwealth. O bloqueio de Lisboa era caro a sustentar e os navios eram também precisos para apoiar a invasão da Escócia por Cromwell.

No dia 3 de setembro, Popham partiu para Inglaterra com oito navios, incluindo o poderoso Resolution, deixando Blake com nove navios para observar o príncipe Rupert. Três dias depois da partida de Popham, os realistas aproveitaram as condições do nevoeiro para fazer uma nova tentativa para escapar mas fora avistados e atacados pela frota do Commonwealth.

Durante este encontro, o navio de comando de Rupert, Constant Reformation, foi atacado pelo navio de comando de Blake, George. Uma descarga de tiros do George mandou abaixo o gurupés do  Constant Reformation, e os Realistas foram mais uma vez forçados a retirar para Lisboa.

A batalha de Texel (1673), o fim da carreira de Rupert como almirante, Willem van de Velde the Younger, 1687.
Imagem: Wikipedia

No dia 14 de setembro, Blake avistou a frota portuguesa do Brasil que regressava a Lisboa. Coma autorização do Conselho de Estado para atacar o comércio português, Blake movimentou-se para intercetar a frota. 

Depois de uma batalha de três horas, Blake no George, capturou o navio vice-almirante português, ao mesmo tempo o seu irmão, Benjamin Blake, comandando o Assurance, capturava o contra-almirante. O navio de comando português escapou com a perda do mastro grande.

Apenas nove dos vinte e três navios da frota chegaram a Lisboa; um foi a fundado e o resto capturado. A perda da frota do Brasil, com a sua valiosa carga, que incluía 4.000 arcas de açúcar, foi um sério rombo para a economia portuguesa e finalmente convenceu o rei João a insistir com o príncipe Rupert de que a sua esquadra deveria deixar Lisboa. 

Actriz Margaret Hughes, companheira de Rupert, Peter Lely, c. 1670.
Imagem: Wikipedia

Perto do final do mês de setembro, a frota de Blake foi obrigada a partir para Cadiz para reabastecer e para tratar do saque das capturas portuguesas. Com a partida de Blake, Rupert aproveitou a oportunidade para se escapar. No dia 12 de outubro saiu do rio Tejo com seis navios em direcção ao Mediterrâneo. (2)


(1) Fernando Gomes Pedrosa, A Muleta e a Tartaranha (séculos XV-XX)
(2) BCW Project Prince Rupert at Lisbon (1649-1650)

Leitura adicional:
História de Portugal Restaurado



Notas adicionais:

Os navios portugueses envolvidos no conflito

Santo António da Esperança (1644-1658) — Galeão de 600 t e 40 peças comprado ao Mercatudo em 1644. Em 1651 combateu nas águas do Tejo a armada inglesa do Parlamento. Em 1655 foi dado por incapaz na Baía, mas aparece na Índia (1657-1658). Entrou no combate contra holandeses na barra de Goa em 1657 e 1658.

N.ª S.ª da Luz (1648-1661) — Galeão de 28 peças comprado na Holanda, que era também conhecido por Fortuna e aparece como fragata e nau. Fez parte da força naval que acometeu a armada inglesa do Parlamento que bloqueava o Tejo em 1650. Em 1661, por ser velho, sugeriu-se que fosse entregue à Junta do Comércio.

N.ª S.ª da Conceição (1649-1651) — Galeão de 300 t e 24 peças da Companhia Geral do Comércio do Estado do Brasil. Em 1649 largou para o Brasil na armada do conde de Castelo Melhor. Em 1650 saiu a bater-se com a armada inglesa do Parlamento que bloqueava o Tejo.

S. Pedro de Lisboa (1649-1650) — Galeão de 400 t e 34 peças da Companhia Geral do Comércio do Estado do Brasil. Em 1649 largou para o Brasil na armada do conde de Castelo Melhor. Em 1650 saiu de armada a bater-se com a armada inglesa do Parlamento, sendo aprisionado pelo inimigo.

S. Francisco (1650) — Galeão da armada de Sequeira Varejão que em 1650 saiu a acometer a armada inglesa do Parlamento que bloqueava o Tejo.

S. João (1650) — Galeão da Companhia Geral do Comércio do Estado do Brasil que no regresso do Brasil, em 1650, sendo navio-chefe de Antão Temudo, se bateu nas águas do Tejo com a armada inglesa do Parlamento.

Santo António de Mazagão (1650-1654) — Galeão de 18 peças que também aparece como nau. Em 1650, de regresso da Índia, furou o bloqueio do Tejo da armada inglesa do Parlamento. Navio-chefe da armada aparelhada no Tejo para combater a armada do Parlamento. Ia armado de 36 peças. Em 1652 saiu de Goa para a reconquista de Mascate e em 1654 foi no socorro a Ceilão numa armada que destroçou uma esquadra de três naus holandesas. No regresso a Goa, perseguido por uma armada holandesa, encalhou e perdeu-se.

S. Pedro e S. João (1650) — Galeão que em 1650 largou numa armada a combater os ingleses do Parlamento que bloqueavam o Tejo. Combateu na segunda saída.

N.ª S.ª da Natividade (1650) — Galeão que em 1650 largou numa armada a combater os ingleses do Parlamento que bloqueavam o Tejo. Foi tomado pelos ingleses, apesar da bravura com que se houve na luta.

N.ª S.ª da Estrela (1650) — Galeão que também dava pelo nome de Santa Maria da Estrela. Em 1650 fez parte da armada que saiu a combater os ingleses do Parlamento que bloqueavam o Tejo.

S. Lourenço (1650-1658) — Galeão que em 1650 saiu numa armada a combater os ingleses do Parlamento que bloqueavam o Tejo. Em 1658, incluído na armada, combateu os holandeses que bloqueavam Goa.

Santa Cruz (1650-1656) — Nau de 500 t e 33 peças que também aparece como navio, galeão e fragata. Em 1650 saiu a acometer a armada inglesa do Parlamento que bloqueava o Tejo, incluída na força naval de Sequeira Varejão.

N.ª S.ª da Candelária (1641-1651) — Galeão de 700 t e 26 peças. Tomou parte na empresa de Cádis em 1641. Em 1644 largou para a Índia na armada de viagem do cabo Luís Velho. Tendo regressado em 1646, voltou à Índia no ano seguinte. Em 1650 bateu-se na costa com a armada inglesa do Parlamento. (a)

Sobre os navios de pesca (muletas) capturados

Esta armada do parlamento, que esteve junto à barra desde finais de março até finais de setembro de 1650, no dia 13 de junho apresou alguns barcos de pesca portugueses.

Segundo uma fonte inglesa, eram 16, dois dos quais conseguiram fugir. Numa carta do rei de Portugal ao embaixador em Londres, de 7 de agosto de 1650, eram 14, que costumavam fornecer abastecimentos aos navios ingleses na barra de Lisboa.

No dia 24 de junho o rei D. João IV enviou cartas ao governador do Algarve e ao conde da Ericeira informando que os Ingleses apresaram umas tartanas que andavam a pescar. Ficamos assim a saber que andavam a pescar perto da barra de Lisboa pelo menos 16 tartanas, as 14 apresadas e as duas que conseguiram fugir.

É a primeira vez que se tipifica a embarcação que pesca com rede tartaranha: é a tartana, tal como a tartana francesa que pesca com rede tartana. Até aí era dita barca, barco, tartaranha, chincha ou chinchorro. A muleta com rede tartaranha já aparecera em 1634 e 1645, mas como designação genérica.

Em 1672, numa postura da câmara de Lisboa, as embarcações que pescam com chinchorros são muletas: "porque as muletas de chinchorros são barcos mais pequenos que as chinchas, e não podem acomodar as redes sobre o leito com as bolas de barro, pelo muito volume que fazem, com que os barcos podem correr algum risco, se lhes permite possam usar de chumbadas nas duas paredes da rede a que chamam rede de mão, com tanto que em todo o caso usem das bolas de barro em toda a cuada, por ser esta a que arrasta toda a criação e desfaz a ova".

A bitola da malhagem que havia sido estabelecida, mais pequena, "se deve entender só para as tartaranhas, e não para as chinchas e chinchorros, porquanto antes se lhes deve dar malha com que possam tomar sardinha, que é o para que estes barcos têm a principal serventia". (b)

(a) António Marques Esparteiro, Catálogo dos navios brigantinos (1640 - 1910)
(b) Fernando Gomes Pedrosa, A Muleta e a Tartaranha (séculos XV-XX)