quinta-feira, 21 de julho de 2016

Romantismo e Patuleia na Quinta da Rabicha

A Quinta da Rabicha era pequena e em forma de triangulo. Toda colmada de um odorífero e viçoso pomar, que dava primorosas laranjas. Agua abundante e corrente.

Aqueduto das Águas Livres, vista a montante dos arcos, século XIX.
Imagem: Turismo Matemático

A amenidade do sitio contrastava com os rochedos escalvados, que diziam para o poente. Nos arredores de Campolide muitas casas em ruinas, esburacadas de balas de fusil e artilheria, dos assaltos dos realistas á cidade, nos dias nefastos da grande guerra de D. Pedro e D. Miguel.

Na Rabicha, o sumptuoso hotel, ao ar livre, debaixo d'um parreiral, ao pé do tanque, sempre transbordando d'agua, fornecia as pescadinhas de rabo na bocca, ovos duros, queijo saloio, pão de Bellas, alface repolhuda, a verdadeira alface lisboeta, que nem a de Roma lhe dá de rosto. 

Era um banquete. Um cruzado novo — 480 réis — sobrava para quatro homens comerem e beberem á farta!

Aqueduto de Alcântara, vista a montante dos arcos, século XIX.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Comparar o preço da alimentação d'aquelle tempo com o de agora produz tonturas de cabeça! Vinho, fora de portas — e as portas eram logo alli, em Alcântara — trinta réis a canada; pão a vinte e cinco; uma pescada do alto, de lombo negro, que chegava para uma família regular, seis vinténs; manteiga de Cork da mais fina, e a melhor que se conhece, ou que já se não conhece, onze, doze vinténs o arrátel!

Lisboa, porta da cidade junto à ponte de Alcântara e estátua de S. João Nepomuceno.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Fructa de graça, e que fructa! A pêra do conde, a marqueza, a corrêa, a de sete cotovelos, a virgulosa, a colmar. Tudo isso desappareceu, quasi completamente. Fizeram-se umas enxertias, que, sem produzirem as finíssimas peras francezas, estragaram as nossas.

Em compensação, a cidade era uma necropole e um muladar. Os candieiros de azeite, a respeitosa distancia uns dos outros, bruxuleavam mortiços e fumosos. Nas noites em que a folhinha dava lua, embora os cúmulos toldassem o céo tempestuoso, não se accendiam! 

Da bocca da noite em deante, dos primeiros aos quintos andares, os gritos constantes de — Agua vae, ou Agua foi — como clamava Bocage, vituperando, em termos obscenos, a fregona, que o tinha baptisado com os bálsamos nocturnos!

Os grilhetas do Castello, do Limoeiro, da Cova da Moira e do Hospital da Estrella, acorrentados, carregando agua ou trabalhando nas calçadas. O omnihus, atravessando vagarosamente, pesado e triste como uma tumba, do Pelourinho até Belém. O mercado de porcos, onde hoje campeia a arejada e elegante praça do príncipe Real. 

O Passeio Publico fechado como uma jaula! Agora temos lá a desafogada e magestosa Avenida.

Illuminação do Passeio Publico, litografia A. S. Castro, 1851.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

No verão de 1847, os rapazes da Maria da Fonte, ao mando das potencias extrangeiras, embainharam a espada no Alto do Viso. Que rapazes! Como corriam ao assalto, cantando alegres:

Somos moços, somos livres,
Somos, de mais, portuguezes!
O dever nos chama á guerra:
Affrontemos seus revezes!

Quando da pátria
Sôa o clarim,
Ninguém nos vence !
Morremos, sim!

E não era rhetorica! No Alto do Viso, o primeiro que baqueou, á frente dos académicos, atravessado pelos peitos, foi o seu bravíssimo commandante, Fernando Mousinho d' Albuquerque. O segundo — e esse para não mais se levantar — Fialho, o grande amigo de D. António da Costa de Macedo. 

António da Costa, formoso talento e nobre coração, ainda passados muitos annos, não memorava esse dia sanguinolento e o seu condiscípulo e camarada, sem que os olhos se lhe enturvassem de lagrimas.

Os rapazes de hoje, quando apodam os velhos, não o fazem por malevolencia, obedecem a uma corrente, a mais impetuosa, a da moda: não sabem que acções elles praticaram, nem que livros escreveram! 

Aqueduto das Águas Livres, vista a jusante dos arcos, Ermida de Sant'Anna, Alexandre Jean Nöel, 1792.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Os novos, se um dia tiverem de contrastar as refregas da má fortuna, correndo os annaes da pátria, farão justiça a esses homens, que souberam trabalhar, amar, e morrer!

Em 1848, os conflictos davam-se todos os dias, nas ruas e praças da capital, entre os patuleias e os sicários do batalhão da Carta. 

Os ódios estavam latentes e não se perdia lanço de conspirar. Nas reuniões secretas, presididas pelo conde das Antas, nos cafés, nos passeios de campo, em toda a parte, iamos fazendo a nossa propaganda. Quando rebentou em Pariz a revolução de 48, cobrámos novos alentos.

Emilio Augusto Zaluar, João de Aboim, e Souza e Almada eram meus íntimos. Elles já homens feitos; eu nos primeiros annos da adolescência, mas acompanhava-os nas suas idéas e planos de reacção. Faziam versos, românticos, descabellados ; porém com chispas de talento. Zaluar continuou, e, no Brazil, onde esteve largos annos, alcançou nome litterario, justamente festejado.

Um dia saí-me eu com o Se coras, não conto. Abraçaram-me como se fôra o seu irmão Benjamim, e, a occultas minhas, puzeram-me os versos n'um jornal. Quando vi o meu nome em lettra redonda, precedido de algumas palavras benévolas, julguei-me coroado no Capitólio! Que dia, nadando em luz, foi para mim aquelle!... 

Ainda o bemdigo hoje, porque ás lettras, que me não tem dado gloria nem haveres, devo as horas luminosas e gratamente enleiadas da minha vida modesta.

Todos nós gostávamos do campo. Dávamos largos passeios, e na primavera e verão, muitas tardes iamos cair na Rabicha. Ás vezes apparecia um companheiro a mais, rapaz de mérito, e uma das melhores almas que tenho conhecido — era Luiz Ribeiro de Sá, — o Lulu, — como nós lhe chamávamos. N'aquelle banquete ao ar livre, com a popular pescadinha, o queijo saloio, crepitava a alegria!

Vista da ponte e da ribeira da Rabicha e do Aqueduto das Águas Livres, Tomás da Anunciação, c. 1850.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Que planos, que futuros, que protestos de jamais nos separarmos! Passávamos diplomas de génio uns aos outros, revelávamos segredos do coração, decidíamos das altas questões do estado!... E a nora a gemer, e o pomar ondeando, e o sol fecundo da nossa primavera no azul immaculado!

O dia de S. João de 1848 foi o ultimo que passámos na Rabicha. Na noite d'esse dia deu-se um acontecimento grave, e que ia sendo fatal!

João de Aboim tinha entrado, como um valente, que era, na refrega do Alto do Viso. Logo no principio da batalha, defrontou com o Pancada, official do campo inimigo. Ambos estavam a cavallo e ambos eram bravos. No duello singular e rápido, o Pancada apanhou um leve gilvaz. Ficaram de reixa velha.

Nessa noite pois de S. João, pela volta das dez horas, aos Poyaes de S. Bento, João de Aboim deu de rosto com o Pancada, que era da Guarda municipal, — capitão, se bem me lembro. Jogaram-se um ao outro; Aboim com uma boa bengala de canna da índia, Pancada com a espada nua. Aboim partiu-lhe dois dentes; Pancada deu-lhe duas cutiladas na cabeça, que o deixaram por morto.

O poeta, logo que se restabeleceu dos graves ferimentos, partiu para o Rio de Janeiro.

Pois ainda não ficou a coisa por alli. No verão de 1851, João de Aboim voltou do Brazil. Passado tempo encontrou o Pancada, ao pé da fegreja de S. Domingos. Ambos vinham desarmados. A lucta foi a braços. D'essa vez, Aboim levou a melhor. O adversário ficou muito pisado. Vamos, que os dois tinham a garra dos falcões primazes! Augusto Zaluar foi para o Rio de Janeiro, e por lá ficou, como já contei nestas Memorias.

Quando hoje atravesso a Rabicha, no caminho de ferro, deixo de ouvir o ruido do trem, de sentir o fumo da machina... 

Lisboa, Uma paisagem em Campolide [Ponte do Tarujo], ed. Martins/Martins & Silva, 671, década de 1900.
Imagem: Delcampe

A memoria traz-me o aroma do pomar, o gemer da nora, os meus primeiros versos, os amigos que perdi, e... uma grande saudade!

Monte da Caparica, Torre. Fevereiro, 16, 1893 (1)



(1) Bulhão Pato, Memórias, Tomo I, Scenas de infância e homens de letras, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciencias, 1894

Informação relacionada:
A ribeira de Alcântara, de Benfica a Campolide
Caneiro de Alcântara
A Ponte de Alcântara e suas circunvizinhanças : notícia histórica, por A. Vieira da Silva

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Lisboa Arte Digital 007

A Catástrofe do Terremoto do Primeiro de Novembro de 1755 impressionou consideravelmente a imaginação de muitos artistas estrangeiros, que gravaram grande número de estampas, alegóricas umas, e outras representando a cidade durante o cataclismo, as quais foram decalcadas sobre vistas panorâmicas já conhecidas, em que os diferentes artistas representaram os edifícios a desconjuntarem-se e a desmoronarem-se, com o fogo a irromper por todos os lados.

Lisboa 1755, fantasia de antes e durante o terremoto, Mateus Sautter.
Imagem: Histórias com História

Todas essas vistas dão bem a medida da fecunda imaginação e fantasia dos seus autores! (1)

Assassin's Creed Rogue - Lisbon Earthquake



(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947

terça-feira, 19 de julho de 2016

O fim do Romantismo

Bulhão Pato viveu numa época má, na exhaustão deliquescente do romantismo, tendo já fechado o cyclo da sua carreira literaria quando se rasgavam os esplendorosos horizontes da poesia nova. Fez-se o paladino dos velhos moldes, manteve-se até tarde no subjectivismo sentimental que continuava a sentir que "o único rumor que se ouvia no Universo era o rumor das saias de Elvira".

Vista da Amora, Tomás da Anunciação, 1852
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

Tentou libertar-se desse passado no Livro do Monte, de um bucolismo mais natural, onde se sentem perfumes junqueirianos, e não quis deixar de escrever uma derradeira satira á sociedade que se enxovalhara, com as quintilhas, de bella perfeição plastica, da "Dança Judenga".

Octogenário, lia Zola, que eu lhe levava, e proclamava-o, intelligentemente, um grande romântico.

Um dia contou-me uma scena melancólica com o nosso paisagista Annunciação.

Era no Aterro, e viu o velho pintor a chorar ante o pôr do sol, pouco depois de chegar de Paris, onde contemplara os novos processos da pintura e o golfão de naturalismo que inundava todas as paletas.

No cais do Tejo, Alfredo Keil, 1881.
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

Bulhão Pato talvez sentisse analoga melancolia ante a sua arte que via aceite apenas com complacência. Mas não o confessou, porque, muito orgulhoso, o velho romântico nunca deixou de arvorar o panache. (1)


(1) João Barreira, O retiro de um velho romântico

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Lisboa Arte Digital 006

Apenas dois desenhadores franceses, Paris e Pedegache, vieram a esta cidade copiar "algumas ruinas de Lisboa causadas pelo terremoto e pelo fogo do primeiro de Novembro do anno 1755", que foram gravadas em Paris por Jac. Ph. Le Bas em 1757.

Ruínas da Torre de S Roque ou Torre do Patriarca, Sé de Lisboa e Igreja de S. Paulo, Jacques-Philippe Le Bas, 1755.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

É uma colecção de 6 gravuras. Com o respectivo frontispício, que mostram bastante fantasiosamente o estado a que ficaram reduzidos seis edifícios da cidade por efeito daquele cataclismo. (1)

Ruínas da Praça da Patriarcal, Igreja de S. Nicolau e Ópera do Tejo, Jacques-Philippe Le Bas, 1755.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

How an Earthquake, Tsunami, and Firestorm All Hit Lisbon at Once on Smithsonian Channel



(1) Vieira da Siva, Augusto, Iconografia de Lisboa, Revista Municipal n.° 32, Câmara Municipal de Lisboa, 1947
 

domingo, 17 de julho de 2016

Chafariz d’El-Rey

O Chafariz d’El-Rey no século XVI, pintura de autor desconhecido, que se supõe datar de 1570-1580, inscreve-se na linhagem da pintura da época, no Norte da Europa, centrada em cenas urbanas.

Lisboa, Chafariz d’El-Rey, óleo sobre madeira de carvalho, 93 x 163 cm, autor desconhecido (Colecção Berardo), c. 1570.
Imagem: Lisboa, cidade africana

Se a qualidade pictórica se revela algo medíocre, em contrapartida põe em evidência a flexibilidade da composição que permite proceder ao inventário das práticas lisboetas, inscritas num espaço limitado atrás pelas construções na velha Ribeira das Naus, sendo o primeiro plano consagrado às actvidades marítimas. (1)

Panorâmica de Lisboa (detalhe) c.1540-1550  (ou 1570), , Leiden University Library Bodel Nijenhuis Collectie, Leyden.
Imagem: Wikimedia

O Chafariz d'El-Rei é seguramente um dos mais antigos da cidade de Lisboa, podendo remontar ao período muçulmano. Aparece referenciado documentalmente pela primeira vez no reinado de D. Afonso II, em 1220, sendo então conhecido por Chafariz de São João da Praça dos Canos. É a partir das alterações sofridas no reinado de D. Dinis, em 1308, que passa a ser designado por Chafariz d' EL-Rei, em referência a este monarca.

Segundo Fernão Lopes, o chafariz secou em 1373, durante o cerco de Lisboa, e só teve obras em 1487, por ordem de D. João II, que manda fazer o encanamento do chafariz até ao mar, para abastecimento de água potável aos batéis ancorados.

O Chafariz d’El-Rey, década de 1570, sobre a Panorâmica de Lisboa da Leiden University.

Na época manuelina o chafariz terá sido coberto por um alpendre em cantaria, cobertura para a qual D. Manuel ordenara a autorização à Câmara de Lisboa em 1517, e que seria patrocinada por Lopo de Albuquerque. O chafariz, que era então a principal fonte de água potável da capital, estava encostado à muralha da cidade, e tinha seis bicas em forma de cabeças de animais. (2)


(1) Isabel Castro Henriques, Os Africanos em Portugal História e Memória Séculos XV-XXI, Lisboa, Comité Português do Projecto Unesco "A Rota do Escravo", 2011
(2) Direcção-Geral do Património Cultural

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Rua Nova dos Mercadores

A Rua Nova, eixo paralelo e aberto ao rio, provavelmente já existiria no reinado de D. Dinis. Encontramo-la na regularização e ampliação da mesma Rua Nova em 1294, empreitada que obrigou ao derrube das casas "para que a rua fique de 8 braças" [...]

Rua Nova dos Mercadores, aut. desc., século XVI.
Imagem: Society of Antiquaries of London

As primeiras notícias do projecto de calcetamento da Rua Nova de Lisboa constam de uma carta de D. João II, datada de Novembro de 1482, onde o rei (...) determinou, como trabalho prévio, a execução de uma planta "pyntada em papell", para melhor poder estudá-la e emitir o seu parecer [...]

Rua Nova dos Mercadores, aut. desc., século XVI.
Imagem: Society of Antiquaries of London

Seria através da acção de D. Manuel que a referida rua passaria a ter "um notável perfil urbano com edifícios de habitação de cinco andares, onde o piso térreo era ocupado pelas mais bem fornecidas lojas de toda a Europa em matérias-primas e objectos provenientes do Oriente e de África, autênticos "gabinetes de curiosidades" [...]

Rua Nova dos Mercadores - The New Street of the Merchants from SWD agency on Vimeo

do Rossio, querendo ir para o mar, entram na rua Nova d’El-Rei, comprida e direita rua, que vai dar na grande rua Nova dos Mercadores, que por ser na principal parte da cidade e junto do mar ao longo dele, é lugar onde concorrem todos os mercadores e toda a mais gente de trato, que tem de comprido duzentos passos e de largo vinte; e sabe-se que rende em alugueres de casas oitenta mil cruzados [...]

Rua Nova dos Mercadores, aut. desc., século XVI.
Imagem: Society of Antiquaries of London

há nesta rua, além d’outras coisas, edifícios admiráveis, de tantos pavimentos e com tantos inquilinos, que não se conhecem uns aos outros nem de cara nem de nome [...]

Rua Nova dos Mercadores em 1521, Livro de Horas de D. Manuel,
iluminura atribuida a António de Holanda.
Imagem: MNAA

passando a Praça Nova do Rei, que transborda de entalhadores, joalheiros, ourives, cinzeladores, fabricantes de vasos, artistas da prata, de bronze e de ouro, bem como de banqueiros, cortando á esquerda, chegaremos a uma outra artéria que tem o nome de Rua Nova dos Mercadores, muito mais vasta que todas as outras ruas da cidade, ornada, de um lado e de outro, com belíssimos edifícios [...] (1)


(1) André Carneiro, Espaços e paisagens. Antiguidade clássica e heranças contemporâneas. Vol. 3, Coimbra, Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, 2011

Lisboa Arte Digital 002

© josh - World without us - Lisbon bridge

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domingo, 10 de julho de 2016

Um segundo quadro de Filipe Lobo

Anteriormente à descoberta desta nova pintura, abaixo representada, vendida pela Christie's a 4 de dezembro de 2013, apenas havia um trabalho conhecido assinado por Filipe Lobo, Mosteiro dos Jerónimos, exposto no Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa. (1)

Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém, Filipe Lobo, ass: Philippus Lupis Fecit 16--.
Imagem: Christie's

Decorrente da estadia de [Dirk] Stoop em Lisboa, algumas ligações artísticas merecem ser sublinhadas. Em primeiro lugar, o suposto elo entre o pintor holandês e Filipe Lobo.

Até aqui a historiografia portuguesa tem considerado que a arte de Lobo foi influenciada pela lição do pintor de Utreque, a julgar pela obra O Panorama do Mosteiro de Santa Maria de Belém, presente nas colecções do Museu Nacional de Arte Antiga, na qual a influência nórdica se faz sentir na nebulosidade filtrada da paisagem ensolarada de Lisboa.

Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém, Filipe Lobo, 1657, ass: Philippus Lupus fecit MDCLVII.
Imagem: MNAA

Este vínculo decorria da comparação entre a pintura de Lobo e uma de Stoop "Vista do Mosteiro de Belém em Lisboa", à guarda do Mauristhuis em Haia [...]

No entanto, pese embora o facto do artista português se apresentar mais débil no traço, certo é que a primeira pintura está datada de 1657, época anterior à estadia de Stoop em Portugal.

Embora não esteja datada, a pintura do Maurithuis reporta-se claramente à presença da comitiva inglesa em Portugal em 1662, dado apresentar a armada inglesa atracada junto a Belém.

Mosteiro dos Jerónimos e Torre de Belém, Dirck Stoop, c. 1660 - 1670, 1662.
Imagem: Mauristhuis Museum

Estes novos dados vêm por um lado alterar a análise que então se fazia sobre as influências desta obra e, em segundo lugar, revelar o nosso ainda grande desconhecimento sobre as recepções artísticas do século XVII.

Sobre a identidade de Lobo nada se apurou e o facto de o seu nome aparecer com grafias diferentes nos registos da Irmandade de S. Lucas não é razão suficiente para confirmar uma nacionalidade estrangeira. (2)


(1) Christie's (adaptado)
(2) Susana Varela Flor, A presença de artistas estrangeiros no Portugal Restaurado

Artigo relacionado:
Iconografia de Lisboa (5.ª parte)


sexta-feira, 8 de julho de 2016

Projecto de travessia do Tejo em 1889

Se a tivessemos já, se Portugal se podesse já orgulhar de ostentar na sua capital a maior ponte da Europa, não havíamos hontem gasto o melhor de 35 minutos para vir do Barreiro a Lisboa, nem o nosso somno de commodidade seriam perturbados mais cedo, para nos prepararmos para um trasbordo da carruagem em que chegámos á estacão do caminho de ferro, para o vapór em que tivemos de seguir, para o Terreiro do Paço.

Ponte sobre o Tejo, projecto de E. Bartissol e T. Seyrig, O Occidente n.° 380, ilustração L. Freire, 1889.
Imagem: Hemeroteca Digital

O sonho de ligar as duas margens do Tejo por meio de uma ponte vae se encaminhando para se converter em realidade, graças á iniciativa e actividade do Snr. Bartissol e á tntelligencia arrojada do distincto engenheiro Sr. Seyrig, o constructor da ponte D. Luiz no Porto.

D'este sonho é reproducção a nossa gravura d'hoje representando a ponte já construida, e vista da margem esquerda do rio.

O projecto dá á ponte a extensao de 2310 metros, completando-a com uma linha ferrea que partirá da estação do Rocio a ligar com a do Barreiro, n'um percurso de 15 kilometros e meio.



Do Rocio sahirá a linha em tunnel seguindo em curva para a esquerda, voltando assim de forma a passar quasi sob a praça do Principe Real, e indo desemhocar no valle formado pela rua de S. Bento, perto do palacio das Côrtes.

Atravessa então a rua de S. Bento em linha recta inclinando-se depois novamente para esquerda n'outra curva, e passa por detraz dos Cortes. N'esse ponto a linha será aberta em trincheira e em tunnel, e estabelecer-se-ha a estação da rua de S. Bento.

A calçada da Estrella é atravessada em subterraneo, e o seu transito não será interrompido nem pelos trabalhos nem pela exploração.

Este subterraneo prolongar-se-ha na extensão de 4oo metros, indo a trincheira, que segue, terminar acima da Rocha do Conde d'Obidos.

É facil, diz o sr. Bartissol na sua memoria publicada na "Gazeta ds Caminhos de Ferro", fazer chegar ahi uma estrada que, vindo da esquerda e a direita, communique_com a ponte, pondo d'este modo, em relação directa e facil com ella, o bairro de Buenos-Ayres e a parte baixa da cidade, inferior as Côrtes, como o Conde Barão, etc.

Projet de traversée du Tage, étude de E. Bartissol et T. Seyrig, Paris & Lisbonne, 1889.

O encontro extremo da ponte será situado na proximidade immediata d'essa embocadura, e é d'ahi que as duas vias, a via ferrea e a via publica, partirão por sobre o rio.

Estabelecer-se-ha outra estação n'este ponto, destinada a facilitar aos habitantes do bairro da Estrella as communicaçóes com a outra margem do rio.

O accesso a esta estação será feito por meio d'um ascensor vertical propriamente dito, ou por um caminho funicular inclinado, que a communique com os caes o mais directamente possivel.

É grande a importancia de tal communicacão, attendendo a que este ponto, com as novas dockas em construcção, será de futuro um dos centros de maior actividade da capital.

Desde a bocca do tunel até a beira do rio ha quatro arcos, sendo os 3 pilares, dispostos — um para cá um pouco da linha dos caes actuaes, e os outros perto da calçada do Marquez d'Abrantes, e mais acima ainda, sobre a collina. O primeiro tramo e de 115 metros, e os outros tres de 160 metros cada um.

Do 3.° pilar parte o primeiro grande arco, 300, metros de abertura: Esta disposição deixa, pois um espaço livre muito consideravel, quer nos caes, quer no rio. para que as embarcações possam manobrar e atracar desafogadamente.

A partir d`ahi, a ponte avança ser sobre o rio, indo os seus tramos alternando de imensóes. Sendo o primeiro de 3oo metros, o seguinte é de 160, o immedtato de 300 metros, o outro de 160, e assim successiramcnte. A ponte completa terá quatro tramos de 3oo metros, e 6 de 160 metros; sendo o ultimo de 15o metros, similhante a um dos de 160 em consequencia da conformação do terreno marginal nas collinas de Almada, que obrigou a encurtar este arco.

Projet de traversée du Tage, étude de E. Bartissol et T. Seyrig, Paris & Lisbonne, 1889.

A ponte vae effectivamente apoiar-se sobre essas collinas a um nivel elevado, deixando, como do lado de Lisboa, a margem do rio intacta, o que permitte de futuro a ampla liberdade de aproveitar essa margem para a eonstrueção de caes e outros estabelecimentos, em que se pensa já de ha muito.

Em Almada estabelecer-se-ba a primeira estação ao kilometro 4:450. As outras, que seguem, serão:
Piedade ao kilometro 6:460; Alfeite ao kilometro 9:300; Seixal ao kilometro 12:300; Barreiro ao kilometro 15:500.

O entroncamento com a linha do sul será feito na propria estação do Barreiro, que assim não ficará inutilisada e poderá servir de deposito e officina de reparações.

Como se vê da gravura a ponte será de um só taboleiro, metade do qual é destinado ao transito ordinario, metade á via ferrea.

Projet de traversée du Tage, étude de E. Bartissol et T. Seyrig, Paris & Lisbonne, 1889.

A largura total é de 25 metros nos pilares e 18 no taboleiro.

A altura do taboleiro para o nivel da agua é de 5o metros.

A perspectiva è elegante e digna de uma cidade como n nossa. Pena será pois, se tão grandiosa obra ficar só na gravura. (1)


(1) O Occidente, revista ilustrada de Portugal e do estrangeiro, n.° 380, julho, 1889..

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Os conjurados de 1640

El Atlas del Rey Planeta (detalhe), Pedro Teixeira, 1634.
Imagem: La descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos

A Hespanha estava nesse tempo em guerra com a França e como desta Nação tinha apparecido huma esquadra pelas Costas de Portugal, pareceo ao Ministro ter hum pretexto favorável aos seus desígnios: era necessário que em Portugal houvesse hum General em Chefe para commandar as Tropas que se destinassem para defender os Portos, onde os Francezes podessem fazer alguma invasão;

e nestas circumstancias enviou ElRei de Hespanha ao Duque de Bragança a nomeação deste emprego com muitas distincçôes, e com huma authoridade absoluta de fazer fortificar as Praças marítimas que devia visitar, augmentando, ou dirninuindo as suas guarnições como bem lhe parecesse, o que fez murmurar altamente a Corte de Hespanha, vendo a céga confiança com que parecia entregar-se o Reino todo á discrição do Duque de Bragança.

O segredo desta Commissão tão franca estava só entre o Rei do Hespanha, e o seu primeiro Ministro: tinha este mandado huma ordem muito secreta aos Governadores das Praças marítimas, que erão quasi todos Hespanhoes, para se assegurarem da pessoa do Duque achando favorável occasião, e para o fazerem passar logo á Hespanha, para cujo fim andavão costeando Portugal algumas naos Hespanholas.

O Duque de Bragança que via muito bem quão pouco sinceras erão tantas, e tão extraordinárias distincções da parte de Hespanha, fêlla cahir nos mesmos laços que lhe armava.

Escreveo ao primeiro Ministro para que representasse a ElRei o prazer com que elle acceitava o Posto que lhe conferira e no qual esperava justificar a sua escolha.

Foi então que o Duque vio quasi chegado o momento da sua exaltação ao Throno de seus Avós.

A authoridade do emprego de Governador das Armas lhe facilitou o poder nomear moderadamente os seus amigos, nos Postos em que hum dia lhe viessem a ser mais úteis.

Fez-se acompanhar de alguns Officiaes escolhidos, e de huma equipagem magnifica y própria da sua Grandeza, de sorte que nas Praças que visitou fez perder todas as esperan ças de se attentar contra a sua Real Pessoa.

Ninguém se lhe atreveo.

Em toda a parte por onde passava atrahia o coração dos povos y que admiravão a sua liberalidade, ouvindo a todos benignamente, e familiarizando-se còm a Nobreza de tal modo que todos absolutamente no interior o desejavão ter por seu Soberano.

Desta sorte chegou o Duque á Villa de Almada, (proposta dos Fidalgos) onde apenas se soube da sua chegada foi a Nobreza toda visitallo.

Portogallo, Lisbona dal promontorio.
Gravura executada por Terzaghi sobre desenho de Barbieri reproduzido de um original do século XVII.

D. Miguel de Almeida, D. Antão de Almada, e Pedro de Mendonça Furtado, estando sós com elle lhe communicárão a resolução em que elles, e muitos da sua qualidade estavão de o acclamarem Rei de Portugal, representando-lhe vivamente a desgraçada situação em que se achava este Reino, e que só se podião remediar tão lamentáveis ruinas querendo elle acceitar a Coroa.

Armas de Almada chefe, livro do Armeiro-Mor.
Imagem: Wikipédia

Que elles, e hum grande número de Fidalgos lhe offerecião todas as suas faculdades para o ajudarem a subir ao Throno, sacrificando com efficacia os seus bens, e as suas vidas, para vingarem a Nação da tyrannia dos Hespanhoes.

O Duque respondeo com muita modéstia, e com mais cautela y dizendo que convinha com elles no que lhe representavão a respeito da situação de Portugal, reduzido á ultima calamidade.

Que louvava muito o zelo que mostravão ter pela bem da Pátria, e que em particular agradecia muito a toda a Nobreza o quanto se interessava por elle; porém que duvidava do bom succesfo da empreza, por lhe parecer que não era ainda tempo opportuno de a pôr em execução, sem se tomarem todas as necessárias medidas com madura prudência.

Com esta resposta que o Duque não quiz fazer mais positiva partirão os tres Fidalgos, não desanimados do bom êxito da sua resposta, e determinarão logo fazer a primeira Junta dos Confederados com muito segredo, e cautela.

Os conjuração de 1640, Manuel Lapa, c. 1936.
Imagem: almanaque silva

Passou o Duque a visitar a Vice-Rainha Duqueza de Mantua , desembarcando no Terreiro do Paço onde se achava innumeravel povo para o verem passar. Taes forao as demonstrações de prazer , e de contentamento, que motivarão novo y e decisivo ciúme aos Hespanhoes que as observavão.

Entrando no Paço a visitar a Vice-Rainha, estavão na grande sala duas cadeiras, huma debaixo do docel para a Duqueza de Mantua, outra da parte de fora para o Duque de Bragança.

Thomé de Sousa Fidalgo de grande valor, e tronco dos Condes de Redondo, inflammado em zelo da honra do Duque, que, em presença de toda a Nobreza levantou a cadeira, e a collocou debaixo do Sólio, porque o Duque não tivesse a Audiência com menos decoro.

D. João (1604 - 1656), Duque de Bragança.

Este arrojo capitulado pelos Hespanhoes como hum crime, o trouxe em tribulação com a Corte de Hespanha dalli por diante.

Passados alguns dias recolheo-se o Duque a Villa Viçosa, livre dos laços que a malícia do primeiro Ministro lhe quizera urdir.

Tinha ficado em Lisboa o Doutor João Pinto Ribeiro criado particular do Duque e seu Confidente.

Este homem era activo , e com muita instrucçáo de negócios politicòs, aquém D. Miguel de Almeida chamou para a Conferencia da primeira Junta da Nobreza por conhecer a sua capacidade, esaber o quanto elle seriamente se interessava pela exaltação do Duque.

Juntárão-se em casa do Monteiro-Mór Francisco de Mello, (primeira Junta dos Fidalgos) seu irmão Jorge de Mello, D. Miguel de Almeida, D. Antão de Almada, Pedro de Mendonça Furtado, Antonio de Saldanha, e João Pinto Ribeiro , onde depois de bem ponderadas reflexões, assentarão em escrever ao Marquez de Ferreira, D. Francisco de Mello, e a D, Affonso de Portugal, Conde de Vimioso, que assistião em Évora, para representarem ao Duque de Bragança os irreparáveis damnos, que se seguirião aos Portuguezes, se elle não aceitasse a Coroa que lhe offerecião, e que injustamente fora pelos Hespanhoes roubada a seus Avós.

D. Antão de Almada (1573 - 1644).
Imagem: Wikipédia

Que a occasião na conjunctura presente era a mais favorável, e opportuna, pois que as forças de Hespanha se achavão divididas pôr muitas partes.

Recebia o Duque estas persuasões, sem se determinar ainda a huma declaração aberta.

Pensava nas difficuldades que haviáo a vencer, e queria informar-se bem das medidas que se tomavão para emprehender huma acção que decidia da tranquilidade da Nação inteira, ou a precipitava na sua total ruina.

Tal era a sua prudência, esperando que João Pinto Ribeiro fosse de Lisboa, para lhe dar conta do que a este respeito se passava.

As demonstrações de alegria que o povo de Lisboa fizera, quando o Duque passou de Almada a visitar a Vice-Rainha, inquietarão muito a Corte de Madrid, fazendo grande impressão ao primeiro Ministro.

Lisboa, Terreiro do Paço, Dirk Stoop, 1650.
Imagem: Museu da Cidade de Lisboa

Começárão a haver suspeitas, de que a Nobreza de Portugal fazia particulares, e acauteladas Assembléas;

e certas vozes que se espalhavão, como presagas de grandes acontecimentos, tinhão augmcntado mais aquella inquietação.

ElRei de Hespanha convocou o seu Conselho, e para tirar aos Portuguezes a esperança de ganharem partido em alguma revolução que podessem meditar, resolveo que immediatamente fosse chamado a Madrid o Duque de Bragança, único Chéfe que em Portugal se podia temer.

Despachou-se logo hum Correio a Villa Viçosa com carta do próprio punho d'ElRei para o Duque, cheia de artificiosas promessas, na qual lhe ordenava que partisse a Madrid sem perda de tempo, para o acompanhar á expedição da Catalunha.

O mesmo Correio marchou immediatamente para Lisboa com ordem a todos os Fidalgos, para também partirem para Madrid.

Foi errado este ultimo plano do Duque de Olivares, porque sendo o seu fim tirar o Duque de Bragança deste Reino, e a Nobreza principal, aquelle tomou finalmente a resolução de acceitar a Coroa que lhe pertencia por Direito, e esta irritou-se novamente com as ordens que recebia, para ir acompanhar o Rei de Hespanha á expedição de Catalunha. [...]

Chegou finalmente o sempre memoravel, e glorioso dia de sabbado, primeiro de Dezembro de mil seiscentos e quarenta.

Armas do Rei de Portugal, livro do Armeiro-Mor.
Imagem: Wikipédia

Apenas amanheceo, todos os Fidalgos Confederados, e os seus adjuntos se armarão, (dia feliz da acclamação) ajuntando-se huma grande parte delles em casa de D. Miguel de Almeida, d'onde partirão separados huns dos outros para o Paço, e para outros lugares a occuparem os Postos, que lhes estavão já destinados, D. Filippa de Vilhena, Condeça da Atouguia, heróica, e varonilmente ajudou a armar com as suas próprias mãos a seus dois Filhos, D. Jeronymo de Ataíde y e D. Francisco Coutinho exhortando-os com todo o valor para a gloriosa empreza a que hião.

D. Filipa de Vilhena, Vieira Portuense (1765-1805), 1801.

Conta-se que o mesmo fizera D. Marianna de Lencastre a seus Filhos, Fernão Telles, e Antonio Telles da Silva. [...]

D. João da Costa, e João Rodrigues de Sá com outros Fidalgos, e Pessoas Gonfidentes, forão a bordo dos dois Galeões de Hespanha que se achavão surtos no Tejo, armados em guerra, que sem mais resistência se renderão, a pezar de terem toda a guarnição de Infanteria Hespanhola, e estarem promptos a a fazer-se á vela.

Forão outros ao Castello, e mandarão a D, Luiz del Campo a Ordem da Duqueza, para que o entregasse; e duvidando este da Ordem, por não ir com a formalidade que elle queria, Mathias de Albuquerque, que alli se achava prezo, e que nada sabia com certeza da Acclamação, aconselhou ao Governador, que ou sahisse com o presidio que guarnecia o Castello, ou se puzesse em defensa, se o rumor que se ouvia pela Cidade passasse a mais.

Com effeito fechárão-se as portas, e prevenio-se a artilheria.

Requererão os Governadores á Duqueza segunda Ordem, para que se não fortificasse o Castello, a que D. Luiz del Campo obedeceo, e já Mathias de Albuquerque que nada lhe disse a este respeito, por ter noticias certas da Acclamação;

e como não houve tempo para se entregar com a solemnidade que o Governador queria, ficou naquella noite rodeado o Castello de todas as Companhias das Ordenaraças.

No dia seguinte foi D. Alvaro de Abranches, Thomé de Sousa, e D. Francisco de Faro com ordem definitiva para D. Luiz del Campo entregar o Castello.

Immediatamente mandou abrir as portas, entrou dentro D. Alvaro de Abranches, e tomou posse finalmente do Castello, em quanto não vinha ElRei y ou não chegava D. Alvaro Pires de Castro, Conde de Monsanto, e Aicaide-Mór de Lisboa.


Soltou Mathias de Albuquerque, e a Rodrigo Botelho, Conselheiro da Fazenda, que também se achava prezo.

Sahírão os Hespanhoes com a sua Equipagem, e com as honras militares por privilegio da Capitulação que fizerão, e forão conduzidos por D. Antonio Luiz de Menezes até ás Tercenas, onde se alojarão, e onde tiverão depois Passaportes d'ElRei com ajudas de custo, para que divididos passassem para Hespanha.

Rendido o Castello se entregarão nesse dia as Torres de Belém, Cabeça secca, Torre velha, Santo Antonio da Barra, e o Castello de Almada.

A barra do Tejo baseada no Regimento de Pilotos de António de Mariz Carneiro de 1642, reprodução de 1673.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Tanto pôde o exemplo e tanto pôde o medo. [...] (1)


(1) Roque Ferreira Lobo, Historia da feliz acclamação do Senhor Rei D. João o Quarto..., Lisboa, Na Officina de Simão Taddeo Ferreira, 1803.