segunda-feira, 6 de março de 2017

Paradoxo da Arte dita Contemporânea de Exposição não Permanente

A pequena mas bella exposição presentemente aberta, ao publico nas salas da Sociedade de Geographla tem attrahido as attenções do dilettantismo e da critica para os expositores, a que algumas folhas chamam o grupo dos dissidentes.

Meme Hopper Columbano
Nighthawks de Edward Hopper (1942) com O Grupo do Leão de Columbano (1885)
Imagem: Rui Granadeiro

Temos procurado achar o sentido d'essa designação, e não o conseguimos. Comprebonde-se que haja dissidencla unicamente onde ha opiniões. Na pintura franceza, por exemplo, o sr. Cabanel e o sr. Monet dissidem, porque o sr. Monet é a heresia de que o sr. Cabanel é o dogma. 

Mas em Lisboa — meu Deus ! — do quem é que podem dissidir estes espirituosos artistas?... A não ser um grito de revolta que elles queiram agora levantar contra o Grão Vasco ou contra a Josepha d'Obidos, não sabemos realmente contra quem é que cales se insurjam. 

A verdade é que os expositores da rua do Alecrim estão sós na arte da pintura. O conspícuo o talentoso sr. Luppi é já mais que um simples artista, é um oficial maior da secretaria da natureza, é um chefe do repartição do quadro historico, jubilado.

Como escola official resta-nos apenas o esclarecido sr. Delphim Guedes, mas este cavalheiro consta-nos que se acha presentemente fechado. Dizem-nos que s. exa. continha ainda a receber dos cabidos, das confrarias o das irmandades sertanejas, todos os tocheiros velhos e todas as galhetas duplicadas, de mais ou menos recente seculo XVI, que se lhe remettem para a arte ornamental; mas, pelo que respeita a discípulos, o seio desse varão recusa-se por emquanto a receber e a ensinar mais ninguem. Vedam-lh'o os seus affazeres.

O sr. Delphim deixou portanto de ser na pintura um portico, para ser unicamente uma tranca. O sr. Porto, o sr. Ramalho, o sr. Malhôa, o sr. Girão, o sr. Christino, o sr. Pinto, o sr. Vaz, o sr. Martins, são agora os pintores paizagistas unicos em Lisboa. 

O Grupo do Leão, Columbano Bordalo Pinheiro, 1885.
Representados, da esquerda para a direita: em fundo, João Ribeiro Cristino, Alberto de Oliveira, criado Manuel, Columbano, criado António, Braz Martins; sentados, em segundo plano, Manuel Henrique Pinto, João Vaz, Silva Porto, António Ramalho, Rafael Bordalo Pinheiro; em primeiro plano, José Malhoa, Moura Girão, João Rodrigues Vieira.
Imagem: MNAC

Elles são os que amam e os que interrogam a natureza, os que arregaçam as calças e deitam a mochila ás costas para ir de madrugada, com um pão e um cachimbo na algibeira, saltar os vallados, descer a azinhaga, atolar os pés na terra lavrada, atravessar o ribeiro, subir a encosta, o plantar o cavalete em frente da amendoeira em flor e da cancela rustica do quinteiro, onde as alfazemas desabrocham, onde as abelhas zumbem o onde as galinhas se espanejam ao sol, debicando a leira.

São elles os que entendem o primeiro dos prazeres que, depois da terrivel dôr sublime d'amar o ser amado, o Papá Deus deu á criança homem na festa do grande natal : — o prazer que teem, certas naturezas em casar aos phenomenos da vida exterior a sensibilidade pessoal, o de fazer d'essa conjunção o quadro, o poema ou a melodia, que são a consolação eterna da pobre alma da humanidade. 

Os artistas são eles. (1)


(1) O António Maria n.° 134, 22 de dezembro de 1881

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